Os costumes das nossas gentes, reflectem-se nas origens e modo de fixação nos arrabaldes de Lisboa, o que se considera a Zona Saloia, cuja região se encontrava na altura, com um solo árido e inculto, existindo árvores lenhosas de grande porte, pelo que só à força do seu braço e do seu sacrifício e humildade, a tornou um pouco produtiva.

Como se descreve nas suas origens, os Saloios, após uma luta constante entre a terra e a sobrevivência, começou a evoluir graças à sua simplicidade e sacrifício, tornando-se agricultor por excelência.

Tal foi a raiz que o Saloio teve com a terra, que ainda hoje não há ninguém como ele a bem fazer os conchegos a uma horta que parecem autênticos jardins, empolgantes no arranjo dos seus alegretes e na sua perícia, bem como o alinhado das suas banquetas.

Contudo não era para o Saloio o bastante trabalhar a terra, que era pouco fértil, assim em face das circunstâncias, dadas a pouco fertilidade das mesmas, teve a necessidade de estruma-las, pelo que precisou criar animais, como gado vacum, caprino, suíno e ainda aves, como galinhas e “Piruns”.

Desta criação o Saloio tirava dois proveitos, o produto da sua venda e alimentação, e o estrume por elas produzido, com o qual efectuava as chamadas Estercadas, considerado ainda hoje como o melhor fertilizante das terras, conseguindo assim um maior rendimento.

O Saloio começou a produzir quase tudo o que necessitava para si, contudo havia excedentes, como poupado que era, e ainda hoje considerado como tal, começou a descer à cidade vendendo-os, e com o seu produto adquirir o que na sua terra não existia.

Com o decorrer dos tempos, começa a verificar que na venda do que produzia aos Novos Senhores de Lisboa, com os quais se foi familiarizando, mas sempre com as suas reservas, dada as marcas que sempre ficam nos povos ao serem conquistados e obrigados a abandonarem a região onde se haviam fixado, o Saloio foi criando uma filosofia própria, embora nunca chegasse a ter a sensibilidade devota e ferveroso misticismo da gente nortenha, revelou-se possuidor de grande fé, constituindo a sua originalidade etnográfica, deixando principalmente vincado o seu encanto regionalista.

Como vários escritores o afirmaram, era um regalo ver os Saloios à noitinha ou pela madrugada, a caminho de Lisboa, atrás dos seus burricos, carroças e galeras, carregadas de tudo o que os citadinos necessitam, tal como ainda hoje, embora com outros meios de transporte, pois os costumes dos Saloios continuam a manter-se.

Entre gentes saloias, ainda hoje existe um elo de ligação bastante forte, ajudando-se mutuamente no amanho das terras, e partilhando o que necessitam.

A designação de Saloios estende-se aos habitantes dos Arredores de Lisboa, numa área que coincide mais ou menos com o antigo termo da Cidade.

Povo que segundo alguns historiadores descende dos Berberes, que eram tribos hamitas do norte africano.

Na conquista da Peninsula, os Berberes foram os autênticos vencedores da batalha de Tarik, que abriu as portas à invasão Árabe. Enquanto os Árabes se apoderaram das terras férteis da Andaluzia, Berberes tiveram por quinhão as terras áridas da Mancha e da Estremadura, as montanhas de Leão, a Galicia e as Astúrias.

Quando os árabes tomaram conta de Lisboa, os Berberes espalharam-se pelos arredores formando o que depois se chamaria “Região Saloia”. “Çaloio homem do campo”, para os distinguir do árabe “homem da cidade”.

D. Afonso Henriques, com a ajuda dos Cruzados, ao invadir Lisboa expulsa os árabes da cidade, deixando os Berberes nas suas fazendas, na condição de estes pagarem o mesmo tributo que até então pagavam aos reis Mouros, a que o Rei lhe deu o nome de “Çalaio”, por ser o imposto da gente mais pobre, a gente do campo, Çaloios, mais tarde pelo derivação do nome do imposto.

Assim, podemos ainda hoje verificar, nas nossas aldeias, que o tipo antropológico do Saloio, é muito semelhante ao tipo árabe, sendo a maioria dos seus naturais, de tipo moreno, com olhos e cabelos escuros.

De forte personalidade, manifestos os seus sentimentos, temperamento laborioso, tem maneira especial de viver e de se expressar, sendo esse seu feitio simplório e astucioso, de modo embaraçado mas ganhunceiro, quando leva a água ao seu moinho, explorando o negócio sempre com lucros materiais assegurados.

O Saloio dedica-se principalmente, à horticultura, que cultiva com esmero em viçosas “almoinhas”, com as suas noras e poços de arquitectura e tradição mediterrânica. É criador de gado, dedicando-se principalmente ao tratamento de cabras e vacas leiteiras.

O saloio foi no passado o principal sustentáculo do abastecimento de géneros alimentícios à cidade de Lisboa. Era ele que abastecia os mercados da Capital, de hortaliças, legumes e frutas, produzia parte do vinho que os Lisboetas consumiam, fornecia o leite que transportava de casa em casa, em grandes bilhas de folha, e muitas vezes mugido na presença das freguesas. Boa parte do pão consumido em Lisboa, era também amassado e cozido na região saloia.

As Saloias eram ainda a maior parte das lavadeiras de Lisboa, e era entre as saudáveis mulheres Saloias, que se recrutavam as amas de leite dos filhos dos Burgueses da Capital.

As saloias, retratadas em numerosas estampas do século passado, algumas delas coloridas, envergavam:

Roupa de Baixo - Corpete de pano cru ou de algodão, colete em algodão ou pano cru. Combinação em algodão, chita ou flanela. Saiote em pano branco de algodão. Meias em algodão.

Roupa de Fora - Blusa de chita ás flores, saia de algodão, sobresaia de riscado, lenço de cachené e sapatos de cabedal.

Os Saloios por sua vez, usavam:

Roupa de baixo: Ceroulas de riscado com fitas de nastro, camisola interior de algoão mesclado e meias de algodão de cores diversas.

Roupa de fora: Calça de cotim, camisa de riscado, cinta de lã preta, colete de cotim, lenço tabaqueiro, barrete de lã preta e botas de cabedal.

O saloio sempre gostou de bailar, e fá-lo com entusiasmo, na via pública, ou em qualquer casa coberta, chamando-lhe serão de dança ou mais vulgarmente “Brincadêra”.

Um simples pandeiro, e guitarra de três cordas, a gaita-de-beiços, o harmónio, ou até o som produzido pelo bater das palmas das mãos, ou somente cantando à desgarrada, serviam para marcar o compasso.

Tem ambiente saloio, esta quadra popular:

            A moda do bailarico
            Não tem nada que saber:
            É andar c’um pé no ar
            E outro no chão a bater.

As Ceifas

Lavrava-se a terra em Julho, e em Novembro endireitava-se.
Faziam-se então as “veigas” (planície fértil), deitava-se o “material” (fertilizante) e espalhava-se o trigo.

De seguida Fazia-se uma lavra leve com o arado e depois gradava-se.

Mondavam-se em Março as ervas grandes, e em Abril ou Maio as mais pequenas.

A ceifa era feita pelo S. Pedro.

Tarde ou cedo a ceifa é feita pelo S. Pedro.

O trigo era atado com a palha do próprio trigo, e levado para a eira onde era pisado com um “trilho” puxado por animais.

Com o “desgravanço” tirava-se a palha, e com a pá limpava-se o trigo, que depois se varria com a vassoura de compostos para tirar os “canocos” mais grossos, e a seguir com a vassoura de “mata-pulga” para os mais finos.

O grão era depois metido em sacos de serapilheira e levados para as arcas, onde era guardado até à altura de se levar ao moinho.

O Fabrico da Farinha

Existem ainda hoje em laboração alguns moinhos de vento, dois dos quais no Milharado.

Antigamente o trigo e o milho eram levados ao moinho em “taleigos” carregados por burros, hoje em dia os mesmos são levados por outros meios de transporte.

Ali chegados, tal como noutros tempos, os cereais são pesados na “loja” (lugar térreo onde se recebe o grão e vende a farinha) “joeirados” e limpos à “bandeja” para separar as pedras.

Após estas operações, o grão é colocado nas respectivos “tégões” (peça do moinho por o mesmo passa para moer) no do 1º andar coloca-se o trigo no do rés-do-chão o milho, e dali escorregam para as mós.

Está-se assim pronto para a largada do moinho.

Esta largada é feita com o auxílio do “cabresto” (corda comprida que segura as varas), e á medida que vai abrindo cada uma das velas, com a “forquilha” (vara comprida e com ferragem na ponta em forma de “V”, vai-se repetindo a operação de segurança com o “cabresto”.

 A orientação e a força do vento, determinam a posição e abertura das velas. Assim, se a vela está toda aberta tem o nome de “Pano”, se a vela tem uma vota em volta da vara, toma o nome de “Meia-Vela”, se tem duas voltas tem o nome de “Traquete”, se tem três voltas é “Bolacho”, se tem quatro voltas chama-se “Ponta”, se tem cinco voltas “Meia-Ponta” e se tem seis voltas, a vela está fechada.

As velas eram feitas de pano que se chamava de “cutão”, hoje são feitas de nylon (por não haver já aquele tecido).

Tal como antigamente, ainda hoje é habitual o moleiro dormir no moinho. Mas para que no “tegão” não se esgote o grão, este coloca em cima do cereal, um chocalho que ao cair na mó faz barulho e o moleiro acorda e volta a encher o “tegão”.

São dos moleiros existentes ainda no Milharado, estas quadras:

Os Moinhos do Milharado
Estão no alto da Serra.
Fazem farinha tão boa
Para o povo da nossa Terra.

Moinho que estás moendo
Na tua venha canção
Vais fazendo farinha
Para fazer-mos o nosso Pão.

Na Serra está o moinho
Que fiz com a minha arte
Quem está diante dele
Faz farinha para toda a parte.

Como se fazia o Pão

A farinha que vinha do moleiro era peneirada (um alqueire 11k, para fazer pão para 8 dias) em primeiro lugar com a peneira de milho para ficarem os farelos, depois peneirada com a peneira do trigo para ficar o pó e o “Rolão” (parte mais grosseira da farinha que fica na peneira) este para juntar à farinha de milho.

Antes de amassar a farinha preparava-se o “acrescento” que era feito dos restos da massa que ficava agarrada ao alguidar, da amassadura anterior, a que juntava um pouco de farinha era guardada numa tigela com um pouco de sal para não criar bolor. No dia em que se fazia o pão utilizava-se o “acrescento” a que se juntava alguma farinha, pouca, e amassava-se. Depois de levedar, começava-se a amassar a farinha com água e um pouco de sal e o “acrescento”. De seguida a massa era colocada num tabuleiro e tapada com o “gargal” (pano branco) e em cima deste deitavam-se farelos.

Logo que os farelos se abrissem (por força da levedura) a massa estava pronta para se tender e levar a forma de cozimento. Esta metida no forno bem quente, aí permanecia uma hora, e ao fim desse tempo retirava-se o pão já cozido.

Quando se metia no forno a última forma de massa, era costume dizer-se à deste: Em Nome do Pai do Filho do Espírito Santo, Deus de acrescente para a boca da gente, e que seja eu primeiro a pôr-te o dente.

Havia um respeito muito especial pelo pão, este era tido como divino, representava o Corpo do Senhor por isso nunca podia estar na mesa de “pernas para o ar” (lar para cima). Se acontecia ao coloca-lo na mesa ficar de lar para cima, era imediatamente virado. Se caísse ao chão era junto e beijado com respeito. Nunca era espetado com um garfo. Não se dava aos porcos (estes animais eram tidos como demoníacos).


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